Era num domingo, dia de finados. O restaurante estava meio cheio (para os otimistas) ou meio vazio (para os pessimistas). Cidade pequena tem sempre aquele restaurante caro que você só entra se for numa data bem especial ou se for convidado. No meu caso foi a segunda opção. Ambiente familiar, mesas preenchidas com maridos, esposas, filhos.
Eis que adentra no recinto (que início de frase mais brega) uma senhora que fez engasgar quem engolia um pedaço de lagarto ou bebia uma Coca-cola com gelo e limão: eu.
Imponente, ar severo, cabelos recém-saídos do melhor salão da Praça, senta-se numa mesa diagonal à minha. Meus olhos não conseguiam disfarçar. Era inevitável não olhar aquela caricatura diante de mim.
Tudo combinando: blush vermelho que ia das maçãs do rosto até quase a testa, que combinava com o cachecol vermelho, batom e unhas de mesma cor. Vestia um casaco bege até os joelhos, que deixava sua meia-calça arrastão cor rubra, bem à mostra. Sapatos, claro, vermelhos de verniz.
Todos os olhares eram para ela. Maquiagem carregada como quem acabara de chegar a um casamento (de Drag Queens), ela pediu uma sopa de entrada e apreciou o prato como quem não tem pressa para voltar, pois talvez não tivesse ninguém a esperá-la.
Sentou-se numa mesa para quatro preenchendo somente o seu lugar. Sozinha.
Sozinha não, solitária. Em seu dedo não havia aliança, apenas um anel recheado de brilhantes. Pareceu-me ser viúva.
Nenhum sorriso saía de sua expressão carrancuda. Uma verdadeira personagem de desenho animado. Ou desanimado. Parecia que daqueles olhos nunca havia caído uma gota de lágrima.
Lentamente levava o garfo à boca, sem preocupação com o tempo. Mas algo me intrigava por debaixo dos quilos de maquiagem.
Seria um travesti? Uma viúva falida? Uma imaginação da minha mente? Não. Mas eu tinha que descobrir.
Fiquei à espreita, esperando sua saída. Aquela senhora entrara num carrão importado que nem sei o nome. Eu, mais que rapidamente, passei a segui-la.
Assustei-me quando ela parou o carro em frente a um velório. Mas resolvi parar próximo e espiar. A curiosidade era muita. Aquela senhora entrou no velório sem olhar para ninguém, olhou o defunto e pôs-se a chorar, a chorar, a chorar.
Minha nossa! E eu pensando horrores daquela senhora e ela acabara de perder um ente querido. Senti-me mal por alguns minutos.
Liguei o motor do carro para ir embora e vi a senhora sair do velório com aquele semblante frio, entrar no carro e parar logo adiante, onde havia outro velório. Dessa vez, fui obrigada a descer. Velório é público, então me misturei e pude assistir de perto a mesma cena: ela entrou sem olhar para ninguém, aproximou-se do caixão e, após 5 minutos de muito choro, saiu com aquela cara de quem almoça sozinha num restaurante.
Ah, aquela senhora rica e solitária. O que ela faz hoje, com certeza alguém terá que fazer por ela amanhã. Mas é bom que ela deixe os cheques preenchidos.
Mireille Almeida admirada que o dinheiro compra até lágrimas.
Oieeee
ResponderExcluirHistória verdadeira mesmo?
Já estava com saudades de ler seus textos...
Fiquei curioso para saber quem é essa profissional do choro...
nota 10..
um bju grande..
Jackson
E eu achava que era uma profissão extinta... já comprei até um colirio pra mim... hehe
ResponderExcluirAgora falando sério, um texto bem escrito a gente percebe rapidinho, não precisa ser douto no assunto... Irreverência natural e escrito de uma forma nada cansativa, poderia ler páginas e mais páginas sem me ajeitar na cadeira. Bom prima parabéns pelas crônicas são bem a tua cara: MARAVILHOSAS! A única coisa que eu lamento é não ter podido lê-las antes, mas agora você conquistou mais um leitor assíduo. Beijão do primão
baaa locura essa historia chegou até me despertar um extinto de detetive hehehehe mais mais q foi interessante foi.....bjo
ResponderExcluir