
Final de ano, para a maioria das pessoas, é cheio de promessas e desejos de grandes realizações. Pois bem, resolvi fechar bem o ano que se finda. Vou fechar com chave de ouro, se puder, ainda tranco bem e jogo-a fora. Vou FECHAR PARA BALANÇO.
Sabe quando você vai até uma loja na qual viu um par de sapatos lindos na vitrine, dia seguinte chega bem empolgada (o) e a moça avisa que acabou? Mas calma, ainda tem no estoque um igual ao que você procura, só que numa cor horrorosa e num número menor. Ou talvez aquele outro modelinho, que todo mundo já tem. Bem manjado.
É exatamente por isso que vou fechar para balanço. Ninguém mais entra e todo mundo sai. Não vou me contentar com o modelo básico nem com um número bem menor que o meu. Estou preferindo andar descalça a despencar de um salto 12.
E se entrar um caco de vidro no meu pé? Ah, querido diário, já entraram vários. Já manquei, caí, usei muletas. Mas esse início de ano insiste em me convidar pra sair, pra ir ao cinema, pra tomar um banho de mar. Parece simples, não?! Eu sei o que esse novo ano está querendo. Ele quer me conquistar. Quer vir de mansinho, como se eu nem imaginasse que ele tem longos (ou curtos demais) trezentos e tantos dias, várias segundas-feiras, sábados de chuva, hora extra na sexta-feira, feriados que caem nos finais de semana, argh! Mas aquela contagem regressiva é tão mágica, que me faz esquecer que por trás de todo seu charme, virá um longo e emocionante ano, pra não dizer outros adjetivos.
Primeiro ele me encanta com sua roupa branca, um brilho de “agora vai ser diferente” no olhar. Depois, me convida pra contar até zero e viver uma nova vida. Parece que chegou de repente, mas esperei o ano todo por ele. Como se não bastasse, ele me serve um espumante, brinda comigo pela nossa felicidade como se já fossemos íntimos. E depois de eu quase ficar de quatro, ainda me dá um forte abraço no primeiro segundo da sua chegada.
Eu pulo as sete ondas, como os doze grãos de uva, entro com o pé direito e esqueço que no último segundo o Velho se foi. Não voltará mais. Fechei para balanço e joguei a chave fora. Desculpe se alguém ficou lá dentro. É possível que eu não volte nunca mais. De repente, se num domingo chuvoso você estiver trancado vendo a chuva cair pela janela, talvez eu passe por ali, vou sorrir e se eu não estiver com as mãos ocupadas, vou acenar pra você.
Eu sei que o ano novo me esconde vários mistérios. Talvez ele seja mais cruel do que as segundas-feiras ou aquela poça d’água logo pela manhã do Velho, mas eu não posso prejulgá-lo.
Por uns instantes, achei que a esperança tivesse ficado trancada com você, Sr. Ano Velho. Mas ela escorregou por debaixo da porta, junto com a gota de chuva que caía daquela janela. Nem você viu, talvez não tivesse deixado escapar. Tamanha é sua vontade de continuar ditando ordens.
Esperança, mesmo sem ser chamada você insiste em me acompanhar, hein?! Parece até mulher que apanha do marido, reclama, dá queixa, faz corpo delito, e depois se derrete com um pedido de perdão seguido de uma noite memorável. Apanhar, eu? Ah, esperança, só um tapinha não dói, é?!
Mas como eu não vivo sem você, pula na garupa que a partir de hoje eu e o Ano Novo vamos aproveitar o início dessa nova paixão, que como todo início, é cheio de esperanças.
Mireille Almeida que aprendeu a levantar antes mesmo de cair.